quinta-feira, 30 de abril de 2015

Vendendo um barco... Carta ao Angelo.

Prezado Angelo, como vai?

Escrevo essa carta para você como uma forma de transmitir um pouco daquilo que vivemos no nosso Snipe amarelinho, é uma responsabilidade que tenho com você.

 Snipe Amrelinho no SPYC


Eu aprendi a velejar aqui na Guarapiranga, foi então que decidi comprar um barco e descobri esse Snipe, escrevi um pouco aqui num post:  Escolhendo um Barco xiii, . Não pensei muito e comprei-o, posso te dizer que foi um grande acerto. Através desse barco eu conheci umas pessoas que são figuras! Também aprendi a velejar menos pior, rsrsrs!

Agora, veja só, você veio e levou o barco! Não sei se te disse mas eu coloquei o barco a venda em setembro de 2014. Foram vários e vários telefonemas, pessoas querendo trocar motos, carros, carretinhas, etc e poucas pessoas que realmente vieram ver e velejar o barco. Mas barco é assim, sempre tem alguém que vem e leva. Foi o que fizemos também quando o compramos.



Vou te explicar porque eu quis vender esse nosso Snipe Amarelinho: um dia meu filho me perguntou com a gravidade de seus 3 anos: "papai por que você não gosta de me levar para passear na represa?" Pronto, estava decidido, o Snipe não era o barco certo para essa família... Simples assim. Um veleiro monotipo de bolina com a performance do Snipe não é um barco para colocar uma criança de 3 anos e sair para velejar, pelo menos não na minha opinião. Estava decidido que precisávamos de um barco maior!

Um dia, olhando sem pretensão nenhuma os anúncios do clube descobrimos um Delta 17. Não vi muitos outros barcos, nem fiquei procurando outras soluções, apenas vimos e compramos o Yere. Posso dizer que adquirimos uma história, um estilo de vida, veja esse post: A Compra do Yere Desde então já velejamos nesse gracioso barquinho muitas e muitas vezes. Já fomos até entrevistados pela revista "A Bordo" na nossa mini-casa/acampamento/flutuante. Passamos a noite nele, fizemos passeios numa ilhazinha com praia que temos aqui na represa e sinto que temos muitas aventuras pela frente!

O Snipe, tadinho, ficou ali empoeirado. Tentei mante-lo velejando por uns 5 meses e percebi que o veleiro não é só um pedaço de fibra moldada e um mastro com velas. Não são só cabos ou roldanas. O veleiro é uma entidade que busca você para ir à água, é uma força que acalma ou te despeja adrenalina, é a quebra da rotina do dia a dia. No veleiro você se realizará como ser humano que participa e se funde com a natureza através do ar e da água, mas para isso, ele precisa ir para a água!

Foi então que você chegou derrepente, não avisou nada, eu estava com alguns compradores potenciais por perto e de uma hora para outra, quando da sua ligação eu sabia que esse barco tinha um novo dono. Não pelo valor negociado, não por não ter outras oportunidades de venda mas sim pela maneira decidida que um verdadeiro dono de barco fala com o vendedor. Você chegou e sem titubear, comprou o barco. Eu tenho que te avisar: na verdade você e sua esposa adquiriram um sonho, um estilo de vida e junto uma grande responsabilidade que é a de cuidar desse barco, ele precisa muito ir para a água, precisa de participar de competições ou fazer velejadas folgadas de fim de tarde, onde bons papos entre vocês irão acontecer. Angelo a sua responsabilidade aumentou pois quando nos desfazemos de um barco colocamos uma esperança de que o comprador o trate melhor do que nós pudemos tratar.

Fechando o negócio!

Eu vi o Snipe indo embora, foi um misto de alívio, alegria e saudades. Foi o meu primeiro barco, aquele que eu aprendi algumas poucas coisas que me são úteis hoje. O meu Snipe amarelinho vai sempre ser lembrado com muito carinho e agora, passo ele para as mãos de um novo amigo. Desejo que você tenha muitos bons ventos!!!

Angelo e Kiko saindo do SPYC

Meu amigo Angelo, seja feliz!

Bons ventos....

domingo, 26 de abril de 2015

Aquela virada que nós nunca esqueceremos (Snipe)

Alguns amigos me pediram, então tirei uma história já velha (vão-se 2 anos) sobre um veleiro que virou em um dia frio com dois Manzas....

Existe o velejador que já virou o barco e o que ainda vai virar!! Pelo menos para aqueles que velejaram de monotipo de bolina...

Meu snipe amarelinho

Virar o barco é parte do aprendizado, é parte de se entrosar com o meio que estamos, ok ok ok... tudo isso eu já sabia, até...

Era uma tarde fria, dia 15-05-13 e chamei o meu pai para passearmos no Snipe. Eu tinha acabado de adquirir o barco e estava com a adrenalina a mil, afinal, nada como ter o seu próprio barco!

Fomos para o SPYC, era uma tarde daquelas típicas de outono/inverno, frio, encoberto e com um chuvisco que ia e vinha... com essa boa meteorologia, imagine se haveria viva alma na represa! Ninguém!

Eu, parecendo o maior expert em Snipe da face da terra, fui mostrando os meus (parcos) conhecimentos para o meu pai que tinha velejado somente uma vez, em Miami, em um veleiro oceânico e não tinha gostado (como?).

Montamos o barco, colocamos todos os apetrechos, coletes, etc e fomos para a água. Percebi que o cabo da bolina estava comprido demais, então pensei: ok, resolvo na volta! Olhei o leme e vi a madre (parte superior) com uma rachadura que já havia percebido nos dias anteriores, mas também não dei muita importância. E como na minha máxima: barco não é avião, então não precisa de ajustes imediatos, fui para a água com o papito!

Saímos com o vento sul, fraco, talvez beirando uns 8 nós. Fomos passeando, por vezes escorando, dando alguns bordos, outras vezes dentro do barco pois havia alguma rajada (pelo menos eu penso que havia, kkkk). Passamos pela Ilha dos Amores, bem de pertinho... lindo mesmo num dia cinza daqueles!

Ilha dos Amores, foto do Google

Ahh, pensei, mesmo tarde (já eram perto de 15:30h) vou dar uma navegada até a Ilha dos Macacos (ou Eucaliptos) e lá fomos nós... com frio pois a temperatura não passava de uns 16 graus! Nesse dia, a represa era nossa, não havia ninguém para incomodar.... ou ajudar....

Ilha dos Eucalipitos, foto do Google

Ao chegar perto da ilha, o vento aumentou, comecei a escorar junto com meu pai... percebi então que o barco começava a orçar mais e, pensando que o vento estava mudando de direção, algo fácil de acontecer quando se está perto da terra, no caso, da ilha... fui arribando devagar, só que em vez do barco obedecer, entrei de uma vez na área morta *de frente para o vento! Tchibummmmm, caímos na água, o barco virou... eu já acostumado, fui para a popa do Snipe mas o meu pai, ainda um marinheiro novato, escorregou para debaixo da vela... com o colete empurrando ele para cima e a vela empurrando ele para baixo a situação ficou desesperadora!

Barco emborcando, foto do Google

O barulho intenso dele tentando sair daquela situação, preso embaixo da vela e eu, com um sentimento de impotência pois se eu me aproximasse poderia acabar tão mal quanto ele, fiquei preocupadíssimo!!!! Quase tive um treco! Ele finalmente sai de debaixo da vela, cuspindo um monte de água e também muito assustado!

Pronto, estávamos ali, os dois na água. Logo que ele saiu de debaixo da vela, o barco começou a emborcar, naturalmente eu já estava me preparando para desvirar o Snipe, foi quando passei a mão pelo vão onde a bolina deveria estar e? NADA! Não havia bolina para fora do barco. Passei a outra mão por debaixo e veio o frio na barriga que já estava fria com a água gelada... nada de bolina, nada de cabo de segurança... eu estava ali, no meio da represa, com meu pai assustado, sem a mínima possibilidade de desvirar facilmente o barco! Lembrei do meu celular (um iPhone 3GS novinho) que eu carregava numa bolsinha a prova d'água (?), quando tirei ela de dentro da água... ouvi um tzzzz, pá bum.... era o celular dando um curto! Ótimo, agora sem comunicação também.

Pensamos em nadar até uma margem e esperar por socorro, só que a margem era lá longe... e como estava muito frio, estávamos ficando sem forças.

Nesse momento, comecei a tentar lembrar do que havia ocorrido, já se passavam 30 min que estávamos na água e o frio já fazia algum efeito, eu estava cansado, frustrado e preocupado! Fiquei olhando o barco e vi o leme, ele estava torto com o eixo longitudinal. Eu percebi então que a madre estava cortada pela cana, ela havia rompido. Estava ali a provável causa da orçada que eu dei em vez de arribada, o leme estava rompido com uns 5cm da superfície rachada, não adiantava muito saber disso, mas era esse o problema!

Meu pai então deu uma idéia, que tal passar o cabo de reboque em torno de um dos fuzis do barco e fazer um contra-peso levantando ele, talvez desse certo! Foi o que fizemos e pumba, o barco desvirou! Pronto, que felicidade (que duraria pouco). Faziam 45min que estávamos na água gelada e agora com o barco desvirado! Ótimo!!!!

Barco desvirando, foto do Google

Ótimo???? Não, não conseguimos entrar no barco. Nem meu pai nem eu temos um bom preparo físico, o barco tem uma lateral alta e estávamos a 45˜50min dentro da água, cansados e com frio. Não conseguimos entrar, mais uma frustração! Para piorar a situação, o vento virou para noroeste e o barco começou a andar.... sozinho.... o vento era fraco o suficiente para não virar o barco! O meu pai, logo se soltou de uma das laterais do Snipe, eu consegui pegar o cabo de reboque que corria a minha frente (tenham sempre um cabo de reboque de nylon, ele boia). O cabo me arrastou por um bom trecho até o barco encarar o vento e parar... chamei o meu pai e ele só disse: "Nada até a margem e busque socorro" eu estava muito frustrado, preocupado... a minha energia baixa... não consegui ter uma reação rápida, então, descansei um pouco e assim que comecei a nadar vi um JetSky vindo em nossa direção.

Era uma visão do paraíso, um Jet em nossa direção, nessas alturas era a única embarcação que havíamos visto em um longo período de tempo. Na linha da água eu não enxergava mais o meu pai com as pequenas ondas que se formavam, mas havia marcado mais ou menos geometricamente onde ele estava. Acenei para o Jet e vi que ele via em minha direção. Era um casal! Fiz sinal para ele ir até onde eu supunha que o meu pai poderia estar, já fazia alguns minutos que eu estava nadando e não tinha certeza da posição. O cara do Jet entendeu o recado mas fez um sinal que não via nada... pronto, bateu um desespero, será que ele tinha se afogado? Será que estava perdido na água ou tinha ido para uma margem?

Vi o Jet vindo em minha direção, não me sentia nada feliz, mas derrepente o barco da SABESP começou a mudar o rumo habitual na direção em que eu achava que estava meu pai e o cara do Jet mudou abruptamente a proa e foi naquela direção também.. ufa! De longe, muito longe, vi ele subindo no Jet e vindo para onde eu estava, que alívio!

O meu pai, ainda levou um tombo antes de entrar no barco mas quando o vi lá dentro, não tive dúvida, esse dia entrava para o top ten das minha memórias. O cara do Jet também me ajudou a entrar e pronto, não tive nem tempo de agradecer, ele sumiu como apareceu. Acreditem em anjo da guarda, eles existem!

Arrumamos a casa, baixei a vela para ter tempo de descansar, coloquei o leme no lugar e percebi que eu tinha algum controle para a esquerda (bombordo) e nada para direita (boreste). Deixei o barco derivar até o Clube de Campo São Paulo. Logo que chegamos na margem, paramos e avaliamos a situação: era impossível velejar naquela condição, não tínhamos bolina, quase nada de leme e o vento tinha rondado para o quadrante noroeste (de frente para o barco). Deitamos na grama para tentar recompor as energias e logo veio chegando um segurança. No começo, ele ficou meio desconfiado mas logo entendeu que não estávamos invadindo a área do clube, só queríamos ajuda!

Chamaram então os marinheiros, muito simpáticos, que vieram com um bote e nos rebocaram até a náutica do clube, no caminho, um deles disse: ahhh vimos vocês lá no meio, mas nem pensamos em ir até lá (legal né?). Mais tarde chegou o sr. Alcir, no bote do SPYC para fazer o reboque. Eram 17:30h e as 17h ele já havia colocado o barco na água pois achou estranho que não havíamos voltado, aí sim, se sabe quem é o marinheiro da estória.

Chegamos no clube, cansados, eu estava extremamente frustrado mas com uma clareza muito grande de como eu queria que as coisas fossem dali em diante:

1. checar o barco faz parte da velejada, mas checar e não arrumar não adianta nada
2. o problema do cabo da bolina poderia ter sido facilmente resolvido, ter adiado isso custou caro (outra bolina) e poderia ter se tornado um acidente
3. quando tiver algo que não conheça bem, como um leme rachado, não abuse
4. colete salva vidas sempre, ter uma enxárcia (corda em forma de escada) é útil
5. um meio de comunicação eficaz será sempre bom, um celular a prova d'água ou uma capinha que tenha sido testada antes, meu iPhone já era
6. tenha calma, não tente perder toda a sua energia em vão se cair na água gelada, tente usar a cabeça logo que cair pois depois, com o frio, tudo fica difícil
7. avise a hora que vai voltar, isso pode ser fundamental no seu salvamento
8. não se afaste do clube se tiver: pouca experiência OU barco em mal estado OU gente sem experiência contigo
9. confie no anjo da guarda mas tente não ter que contar com ele
10. finalmente, VELEJE, pois se você não se arrisca um pouco, se não entra nas diversas condições de tempo, de tripulação, do barco, nunca vai aprender a sair das situações!

Eu aprendi muito nesse dia, aniversário de 3 anos do meu filho, por isso ficou tão marcado! Eu percebi que barco realmente não é avião e a represa não é o céu, mas guardadas as devidas proporções, nada como respeitar a natureza, seja no ar ou no mar...


Bons ventos marujos!!!!